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sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Um poema Cibernético


Como disse no último post, as novas tecnologias têm estendido a sua influência a variadas áreas, não deixando indiferente o setor intelectual desde os tempos da sua ainda pouca expansão, em que se mantinha num elevado gabarito, e até desconhecimento da maioria da sociedade, tempos pré-históricos relativamente ao advento da micro-informática, em que os computadores eram geralmente referidos como ordenadores, dada a frequência com que eram utilizados para esta função na altura.
Um dos literatos que incluiu o computador na sua poesia foi o Prof. Vitorino Nemésio, intelectual açoriano falecido em 1978, poeta, romancista e ensaísta, e extraordinário comunicador, cujo programa televisivo “Se bem me lembro…” entreteve semanalmente e durante meia dúzia de anos uma vaga de admiradores colados ao pequeno ecrã.

No seu livro Limite de Idade, publicado em 1972, o poeta revelou um ”[…] poema cibernético […] para enfatizar a redundância do pensamento poético-electrónico”.  In "«Limite de Idade» : a imagética" / Euryalo Cannabrava. In: Revista Colóquio/Letras. Ensaio, n.º 24, Mar. 1975, p. 41-44.

Semântica Electrónica


Ordeno ao ordenador que me ordene o ordenado
Ordeno ao ordenhador que me ordenhe o ordenhado
Ordinalmente
Ordenadamente
Ordeiramente.
Mas o desordeiro
Quebrou o ordenador
E eu já não dou ordens
Coordenadas
Seja a quem for.
Então resolvo tomar ordens
Menores, maiores.
E sou ordenado,
Enfim ‑ o ordenado
Que tentei ordenhar ao ordenador quebrado.
‑ Mas ‑ diz-me a ordenança ‑
Você não pode ordenhar uma máquina:
Uma máquina é que pode ordenhar uma vaca.
De mais a mais, você agora é padre,
E fica mal a um padre ordenhar, mesmo uma ovelha.
Velhaca, mesmo uma ovelha velha,
Quanto mais uma vaca!
Pois uma máquina é vicária (você é vigário?):
Vaca (em vacância) à vaca.
São ordens...
Eu então, ordinalmente ordeiro, ordenado, ordenhado,
Às ordens da ordenança em ordem unida e dispersa
(Para acabar a conversa
Como aprendi na Infantaria),
Ordenhado chorei meu triste fado.
Mas tristeza ordenhada é nata de alegria:
E chorei leite condensado,
Leite em pó, leite céptico asséptico,
Oh, milagre ordinal de um mundo cibernético!

        Vitorino Nemésio, Limite de Idade (1972)